terça-feira, 30 de agosto de 2011

A última gota

- Eu te amo. - Disse baixinho.
Ela não escutara. De fato, era impossível ter escutado, ele havia falado para si mesmo, e ela continuou sua leitura. Toda noite lia um livro sentada na cama.
- Ei, veja isso. Ele está contando aqui que Cosme subiu na árvore e agora quer viver para sempre por lá... - disse ela, dirigindo-se a ele.
Ele precisava falar aquilo: "eu te amo". Tinha certeza, fazia dias que pensava que deveria falar isso todos dias. No entanto, atitude não era seu forte, apesar de muitas vezes chegar a uma conclusão de que deveria fazer algo. Disso sim, mais que tudo, ele tinha certeza.
- Nossa, esse livro é incrível, não??
- Não gosto. - Disse ele, rapidamente.
Ela sabia que isso não era resposta digna para aquela conversa tão sem compromisso, ainda mais aquela hora da noite. Todo mundo deveria concordar com aquela pergunta, mas ele não era todo mundo. Ela sabia que ele era diferente, mas as vezes isso à incomodava. Certos dias queria alguém igual, apesar de não ter certeza se queria alguém igual a ela ou a todo mundo.
- Como você pode dizer isso? Você quem me indicou esse livro.
- Mas eu não gostei. Achei muito superficial, não vejo por que alguém acharia isso interessante.
Agora ele tinha passado dos limites. Ela tinha feito um comentário praticamente retórico e ele já estava dando a entender que ela era superficial. Pelo menos era que isso ela tinha entendido.
- Olha, eu não sei por que você sempre tem que menosprezar os outros, por que você não pode ser o superficial, nesse caso?
- Eu não disse que não era...
- Claro, você também nunca diz nada... É sempre assim. - Ela se levantou e foi na cozinha,talvez, pegar um copo d'água. - Não sei por que eu ainda acho que você pode fazer algum comentário positivo sobre as minhas opiniões...
Ela tinha falado para si mesma, mas diferente dele, ela tinha falado num tom que ele podia escutar da cozinha, mesmo que há 3 cômodos de distância.
- Eu não falei que sua opinião era ruim... Ou boa! - Dessa vez era possível escuta-lo da portaria.
Ela voltou, com um copo d'água em uma das mãos e com a outra tentava prender o cabelo; não parecia com alguém que se ajeitava para dormir, agora ela estava se preparando para brigar.
- Realmente, as vezes é muito complicado tentar conversar... - Ele falou, se arrependendo em menos de um segundo depois de ter escutado sua própria voz e ter se dado conta de que ela quem tinha tentado conversar, de início.
- Eu te odeio, você sempre faz isso comigo. Não era o que eu deveria escutar todos os dias. - Ela se sentou na cama e olhava para o chão. O copo d'água tinha sido um pretexto para sair do quarto e estava na cômoda. Ela não tinha sede, seu corpo estava sedento apenas de paixão, sólida.
- Eu sei. - Disse ele - Eu sei que você não merece escutar isso todos os dias, mas simplesmente não sei o que você deveria escutar todos os...
Ele sabia, mas agora estava omitindo a verdade. De fato, achava que ela não deveria escutar "eu te amo" todos os dias vindo dele, mas de um outro alguém. Ele se deitou e tentou dormir, ela fez o mesmo, ambos agindo como se a conversa não valesse o esforço.
O copo d'água se secou, e nunca mais se falaram.

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