sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Do banheiro interditado, pra vida

Às vezes simplesmente não dá pra fazer (n)o mesmo de sempre
e se é forçado a escolher outra porta
e todo um novo microscosmosuburbano é revelado
na face interna.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

hoje é sexta
o sol passa entre as folhas e atravessa a janela do banheiro
do mesmo jeito que em outros dias
só que hoje é sexta

a palavra "trabalho" parece um tantinho ridícula
e sente-se um pouco mais de empatia com os cachorros na rua
que andam por aí catando comida, sexo e descanso

mas só até a segunda começar
o que me parece um pouco ridículo, hoje que é sexta.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Sítio Bela Vista

No horizonte que nos arrodeia
o vermelhão se espalha bem mansinho num gradiente 
enquanto a lua brilha em cima, feito um brinco

corta a cana, Sérgio, e dá pras vaca!
enche o cocho das galinha
cuida o porcão que quando vê ele foge e já ta atrás de ti
cafungando tu pegando o trato
e vai que te abocanha!

lixo?
se demora a ter...
esse é pros cachorro
esse pros porco
e esse pra horta
pronto, só lavar.

taca lenha no fogão!
arreda essa chaleira antes que seque!
tira as batata doce do forninho, vê o arroz, o frango e o aipim e o pinhão!

agora um mate...
e vamo dá pernada!
tem cachoeirinha, figueira centenária, açude, cânion...
e o Urso velho firme, sempre esperto, nos cuidando como o veterano que é daqueles campos.

e os pé de fruta, bah!
só imagino no verão
vai dá de tudo!

ô dia que rende o do colono!
e parece até que tem mais tempo pra "vadiar", prosear, dormir...

no fim, tudo se tinge de laranja
as sombras se esticam até não poderem mais
e se arrebentam todas juntas numa única e grandiosa sombra - a Noite.

logo já se vai deitar
e a sensação de saciedade é bem além de ter comido, ou ter rendido
é sensação de ter vivido.

...

Eu estive caminhando pelos campos de cima do Cerro, e sabe
não vi nenhuma teoria
nem palavra, letra
nem conceito ou número qualquer naquelas bandas

vai ver é por isso que quando a professora do Sérgio fez uns cartões com figuras de árvores que tem por ali e o nome escrito embaixo, pra estimular ele a aprender a ler
ele seguiu ignorando aqueles símbolos e acertando tudo com a destreza de um botânico colono
como se lesse.

e ele lê.
lê o "jeitão" que a natureza tem
essa coisa holística que não se explica
e que é tudo o que ela têm na realidade.

domingo, 11 de maio de 2014

Caminhada

Depois do café da manhã - porque a vida de um dia se divide entre o antes e o depois do café da manhã - eu fiz o que já era premeditado: subi o morro. Era uma cerração que me deixava a par só do que estava a poucos metros por vir. De repente me dei conta, pelas bostas frescas no caminho, que estava indo de encontro a quatro cavalos dos quais meu pai tinha falado. A ideia de que a qualquer momento eu iria vê-los surgir do meio da névoa me fascinou.

Ouvi uma sineta, chacoalhando no ritmo de uma pastada, que na verdade não tem ritmo nenhum, só uma lentidão e uma calma infinitas. Era o que eu mais tarde chamaria de Índio. Mas o primeiro a aparecer foi o Pequeno, à minha esquerda uns seis metros à frente. Logo em seguida, mais à direita e mais distante, surge o Singelo.

O Singelo, diferente do Pequeno, que seguiu pastando, ficou parado me olhando. Alguns diriam que era um olhar triste. A mim lembrou uma daquelas pessoas conformadas com a vida. Não necessariamente felizes nem tristes. Só conformadas. Talvez um pouco de humildade também. E ele tinha a pelagem marrom lisa, sem nenhum detalhe. E era magro. Foi meu preferido.

Logo mais surge o Preto, que tinha a testa do focinho branca. E numa parte mais baixa do relevo e distante dos outros, o Índio.

O Índio, ao contrário dos outros, pareceu incomodado com a minha presença. Levantou bem a cabeça e saiu. A princípio o chamei assim por causa da pelagem malhada de três cores, o que me lembrou um cavalo de índio. Mas por fim o nome também se adequou por ser o mais desconfiado, arisco. Provavelmente a razão para lhe botarem uma sineta. Um fujão.

Pra minha surpresa, por fim, surge um quinto. Marrom com um naipe de ouro branco na testa. O Manchinha.

Passei um tempo com eles. Principalmente com o Singelo, o único que toquei, e nunca conseguindo chegar a menos de dez metros do Índio. Depois me sentei no lugar de sempre pra começar a escrever isso. Ali tocava um som que devia ser de anfíbios, mas a melhor descrição que posso fazer é de que pareciam flautas macias conversando. Flautas que qualquer pessoa tocaria de forma mais apressada. Qualquer pessoa.

Aquela sinfonia sem ritmo e com uma calma infinita era a trilha sonora do pastar das cinco criaturas incríveis que surgiram no meio da névoa de uma manhã de sexta quando eu saí pra caminhar depois do café. Foi bom esse momento. Agora, uma hora depois, o sol já dissolveu a cerração. E o olhar de Singelo não me sai da mente.
Existem dois tipos de escuro
e dois tipos de silêncio

aquele que se tem em um lugar fechado, abafado, quase absoluto
e aquele que se tem na noite do campo

amplo
aberto
vasto

e polvilhado de estrelas, de grilos, de folhas secas molhadas no chão refletindo e fracionando a lua, de névoa branca sobre a água, onde se rompe um pulo de peixe (e esse é o maior barulho de todos, a lua dos sons)

e esse escuro e esse silêncio vastos são tão vastos que parece que sublimam o teu ser pra fora, como uma expiração sem fim
o que decerto deve explicar essa sensação paradoxal de ser ao mesmo tempo tão nada e tão grande
tão corpo e tão alma
tão etéreo e tão terrunho

essa sensação de querer sair voando sem deixar de sentir a grama nos pés.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Sair para sempre
seria tão errado quando ficar para sempre

porque o problema não está em sair ou ficar
ou partir ou voltar

o que fere a liberdade é todo "para sempre".

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Poema ao meu amigo André

O Parque da Redenção tem esse nome por algum motivo que eu desconheço
E no dia da Ressurreição do Cristo-Sanguinolento fomos lá, o André e eu e a familia do André
Tia Prima, O Pai, A Avó até
Mas estávamos andando mais nós dois mesmo
Eu e o André

Vimos uma porção de bancas, e a nossa Redenção veio naquela tarde muito sóbrios
Depois dessa sequência interminável de noites chapados - num nível módico mas constante

No dia seguinte os parentes do André foram embora
Tia Prima, O Pai, Vovó tão doce
Daí você vai notar
(eles falam muito 'você', o André bem mais na presença deles)
Daí você vai notar que nas duas vezes que falei da Tia Prima eu não separei
E foi por gosto de não separar, que de tanto que elas se implicavam não dava pra imaginar elas separadas

No dia seguinte eles foram embora
O André e eu fumamos um baseado em seguida
Mais pela Redenção que havia nisso do que pelo barato, que nem foi tanto

A tarde correu lenta, eu procrastinando muito.
Naquela mesma tarde fomos de novo ao Parque da Redenção
Que se chama Parque Farroupilha, na verdade
E lá participamos de uma aula aberta de yoga,
E rimos das piadas internas da nossa casa
Que também é a casa do Léo, mas o Léo não anda frequentando muito, mas a gente ainda gosta muito dele
E depois voltamos pra casa
O André ainda comprou umas coisas numas bancas da feira da redenção
Que estavam no final desse domingo enorme
Que foi  o da volta do Jesú-Subiu-Aos-Céus ou algo assim

Tudo foi bem, e esse é um poema de Redenção
Que vai bem, vai bem e parece que vai acabar num 'mas' em itálico
Mas esse não vai:
A vida anda ótima, a Casa é ampla, eu sinto que tenho espaço no peito pela primeira vez de todas
Nunca desenhei tanto, nunca senti tanto amor pelas mulheres e elas por mim
Os cabelos me crescem fortes e enrolados, o sangue corre na velocidade certa de cada hora
As manhãs começam cedo, nunca estive tão saudável
Todo fim de tarde parece que o Zitarrosa está tocando guitarra na nossa sala.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Enquanto comíamos ao redor da vela acesa
E que não tinha função, senão a de acalmar o ancestral interior
Que devorava um prato de comida
(e que haveria de gostar mais de fazer isso ao redor do fogo)
Embalado pela Fome Imensa e pelo Bill Withers

Enquanto eu servia o chá gelado
E com os olhos da Fome Imensa comia as texturas do pepino em conserva
E me lambiam os ouvidos barulhos lembrados de uma música do Pink Floyd
Que apresenta sons de alimentos sendo manipulados,
E o tilintar das louças nos dá água na boca

Me riscou um riso na cara
De te lembrar ontem
Chapada

Fazendo amor com a caixa de som

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A mulher gritava. O cão latia.
-Não late mais! Não late mais, seu animal!
A mulher latia. O cão não entendia.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

o rastro de um caracol parece às vezes sofrimento
mas é pelo jeito dele andar
porque se corresse, ou se saltasse...
mas é pelo jeito de eu olhar pra aquele andar, quem sabe

e as uvas que caíram na língua da minha mente agora
eu hei de achar uma importância nelas
até lá se bate em cordas, peles...
que quem sabe seja isso mesmo

porque tem coisa que vem pra dizer
já outras vem pra calar.
tudo que te fragissibiliza
o que te mau sensibiliza
é muro onde se pinta um grito e passa toda a gente, e passa...

cai a casca colorida e se empalidurece
não mais te entristece a vista, escala, estampa um som no vento, um som relento, um som bonito, uma cantiga

tudo que te fragissibiliza
é chuva
é bem bonito, alegre, é triste
cai e seca e volta e cai e seca e volta e...
nunca a mesma
nunca a mesma

tudo que te fragissibiliza
passa.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O tempo para

no vapor de uma cascata
sob a sombra de um pé de limão de lua
esse céu de cem pequenas luas
verdelinas, se azulino é o cogumelo

e com um chá de cheiro enche-se um riso de suspiro doce
do que não se come

o tempo para num mirar de cabanitas
para bem morar e se sentar numa varanda torta
e tecer planos de arranjar uma carroça e um pangaré
pra se levar pra lá e pra cá umas gentes, se levar a vida

para no correr das nuvens
das cores das nuvens - o correr do tempo
até nisso o tempo para, se assistido de olhos leves

para entre um dormir cantado baixo e um sonho
ou se apagar ao sol e despertar na chuva
e não ter pressa em levantar.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Te largar

Se bem viste o voo de uma borboleta
sabes bem que às vezes, no pairar
entre uma remada e outra
ela se cai
ao vento
ao ar

como num tango

é o que dá elegância à vida.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Atrás dos olhos

Cancro que cresce e descrença ou crença, nunca o meio-termo ou nada
nulidade que desaparece
prece ateia a desespero
nada leve, leva a paz, leva o sossego
peso
em cada pouso que por acidente, ou sem razão, inconsequente
consequênta um vão vislumbre de tragédia, de euforia, de alegria, de agonia
que de fatos nada feitos, nada vistos, nadam numa poça do possível, do passível, da pequena cauda do fantasma gaussiano
imaginário
pesa cada brisa, cada brilho, cada ofusco, ofusca o resto

o resto

aquele pousado suavemente na nuca.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Noite

"Boa noite
boa noite amigo
já te aviso que é boa noite de cumprimentada, e não de sono
vai chegando e senta
aqui tá tudo como tu tá vendo
tudo escuro
tudo nada
tudo pó
tá pó parado
porque nem tem vento
nem tem movimento
e já te aviso que a tua presença não melhora nada
é só mais olhos
e olho não fala nem sopra
pede uma cerveja e bebe
o gosto não tem gosto de nada, né
até dói de tão vazio
fica sentado e te acalma
fica sentado
ó
quer ver
vou parar de falar."

(o sol se espicha numa tábua
pó dourado em suspensão...
é quando a noite cala a boca e deixa as coisas serem
não aponta
só deixa as coisas serem.)

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Cabeça garrafa

pensamento é água
sono é ar.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Divagações de dezembro

A natureza é cheia de particularidades
e entenda o que quiser por natureza
isso também faz parte do que me refiro

Vejo meu vô caminhando
e vejo meu pai no seu jeito
e me vejo
e essa linha imaginária
descontínua
tem força em cada nó
no juvenecimento
e se enfraquece como um todo
e se dilui

Vejo meu vô caminhando
lá longe na estrada de chão batido
ao longo da cerca
e fico imaginando que ele deve retomar
talvez sem nem pensar
sentimentos da infância
talvez o caminho que fazia pra escola

Vejo essa criança de olhar ingênuo na minha frente
e penso na distância que entre ela e meu avô existe
não do tempo
mas na decorrente dele que há agora
nesse instante
no cruzar de olhares com visões tão diferentes de tudo
o que os torna quase incompreensíveis entre si

Penso na diversidade de visões que cada coisa dá
e que essa própria propriedade em si
pluralidade de visões
é também um elemento
coisa
tipo uma espécie de bicho
que também é um coletivo de diversidades

Penso enfim que essa pluralidade é eu
somente eu
e tiro um peso enorme das coisas
que não tem pluralidade alguma nelas

toda ambiguidade é dos espaços.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

o futuro é um deus morto

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

"Eu queria estar agora..."

Você queria estar agora
onde você não está.
E assim lá seria
e assim sempre será.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Toda filosofia e ciência dos homens
fala a respeito dos homens e mais nada

Assim como todo poema
só diz respeito ao poeta
e não das coisas e das amadas.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Insustentável

Três trilogias
precisam ser registradas enquanto são três
antes que sejam quatro ou cinco

três trilogias:
paisagem
sincronia
e representação

mas com a trilogia das trilogias
são quatro, droga.
eternamente condenadas
a não serem três

se eres dois
não eras
se eres quatro
muito menos

a trilogia das trilogias
eternamente condenada a não haver
presa entre um dois e um quatro
igualzinho um três.
De repente haviam três garrafas na mesa
uma com vinho
uma com cera
uma com fogo.

sábado, 4 de janeiro de 2014

As músicas devem dizer muito sobre cada um
elas realmente devem
devem ser um tipo de retrato da alma que nem o próprio sujeito conhece

O problema
ah, o problema...
é que não se sabe de história nem estória de qualquer passagem de uma esquina de jornal
que detalhasse
ou muito menos
mencionasse
algum dos fios do emaranhado que conecta a canção à alma

e fica com platéia surda e pasma
pro que diz de cada
Nada.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A eternização

Cohen
Tocava Cohen
Death of a Ladie's Man
o álbum e a canção
a mais linda do álbum
e a última.

Olha pra vela e ela está no fim
na base

A música está no fim.
O álbum está.
Começa a sentir medo de que a sincronia seja perfeita
Faltam cerca de dois minutos
Não pode ser


Mas foi.
Até o esmaecer da brasa do pavio foi sincronizado com o esmaecer do som.


(E da ausência uma existência...)


Um calafrio misturado com riso


Depois acreditou,
Genuinamente
por cerca de meio suspiro (tempo insuficiente pra diferenciar sensação de crença)
que se voltasse a música veria aquilo de novo


Não quis voltar
Tão ruim seria que reacendesse
Quanto que não

Era morta a "ladies' man".