sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A mulher gritava. O cão latia.
-Não late mais! Não late mais, seu animal!
A mulher latia. O cão não entendia.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

o rastro de um caracol parece às vezes sofrimento
mas é pelo jeito dele andar
porque se corresse, ou se saltasse...
mas é pelo jeito de eu olhar pra aquele andar, quem sabe

e as uvas que caíram na língua da minha mente agora
eu hei de achar uma importância nelas
até lá se bate em cordas, peles...
que quem sabe seja isso mesmo

porque tem coisa que vem pra dizer
já outras vem pra calar.
tudo que te fragissibiliza
o que te mau sensibiliza
é muro onde se pinta um grito e passa toda a gente, e passa...

cai a casca colorida e se empalidurece
não mais te entristece a vista, escala, estampa um som no vento, um som relento, um som bonito, uma cantiga

tudo que te fragissibiliza
é chuva
é bem bonito, alegre, é triste
cai e seca e volta e cai e seca e volta e...
nunca a mesma
nunca a mesma

tudo que te fragissibiliza
passa.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O tempo para

no vapor de uma cascata
sob a sombra de um pé de limão de lua
esse céu de cem pequenas luas
verdelinas, se azulino é o cogumelo

e com um chá de cheiro enche-se um riso de suspiro doce
do que não se come

o tempo para num mirar de cabanitas
para bem morar e se sentar numa varanda torta
e tecer planos de arranjar uma carroça e um pangaré
pra se levar pra lá e pra cá umas gentes, se levar a vida

para no correr das nuvens
das cores das nuvens - o correr do tempo
até nisso o tempo para, se assistido de olhos leves

para entre um dormir cantado baixo e um sonho
ou se apagar ao sol e despertar na chuva
e não ter pressa em levantar.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Te largar

Se bem viste o voo de uma borboleta
sabes bem que às vezes, no pairar
entre uma remada e outra
ela se cai
ao vento
ao ar

como num tango

é o que dá elegância à vida.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Atrás dos olhos

Cancro que cresce e descrença ou crença, nunca o meio-termo ou nada
nulidade que desaparece
prece ateia a desespero
nada leve, leva a paz, leva o sossego
peso
em cada pouso que por acidente, ou sem razão, inconsequente
consequênta um vão vislumbre de tragédia, de euforia, de alegria, de agonia
que de fatos nada feitos, nada vistos, nadam numa poça do possível, do passível, da pequena cauda do fantasma gaussiano
imaginário
pesa cada brisa, cada brilho, cada ofusco, ofusca o resto

o resto

aquele pousado suavemente na nuca.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Noite

"Boa noite
boa noite amigo
já te aviso que é boa noite de cumprimentada, e não de sono
vai chegando e senta
aqui tá tudo como tu tá vendo
tudo escuro
tudo nada
tudo pó
tá pó parado
porque nem tem vento
nem tem movimento
e já te aviso que a tua presença não melhora nada
é só mais olhos
e olho não fala nem sopra
pede uma cerveja e bebe
o gosto não tem gosto de nada, né
até dói de tão vazio
fica sentado e te acalma
fica sentado
ó
quer ver
vou parar de falar."

(o sol se espicha numa tábua
pó dourado em suspensão...
é quando a noite cala a boca e deixa as coisas serem
não aponta
só deixa as coisas serem.)

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Cabeça garrafa

pensamento é água
sono é ar.