quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Cia

- Não dá.
Foi a 1ª frase dele. Ele sempre tinha que falar isso. Não era pessimista, mas para otimista não servia.
-Dá sim. Tenta.
-Mas pra que... Não vai dar...
Seu forte nunca fora a argumentação, parece que ela sabia disso, mas parece, também, que adorava essa previsibilidade das respostas dele.
-Vai, vai, é claro que dá.
Ela ficava em dúvida se falava com um tom de incentivo ou de ordem, o que ficava claro pelo tom de voz ambíguo. Ele começava a se irritar. Já não interessava mais se dava ou não. Era uma questão de opinião, de opinião estritamente pessoal. Histórica, praticamente, pois sempre era assim. Começou a tamborilar os dedos. Não um tamborilar alegre, mas algo mais parecido como um tique-taque.
- Tá, e aí? Vai ou não vai?
Ela sabia que essa seria a gota d'água. A última palavra. Mesmo que ela sempre o acusasse de sempre precisar ter a última palavra. Ele nunca a tinha, quando tinha, ela nem estava mais escutando, ou se estava, fingia não estar. Sim, ela sempre tinha a última palavra, e sabia disso. E ele também. Afinal, por 35 anos, havia funcionado dessa maneira, e muito bem.
Ele verteu, então, todo o whisky da garrafa nos dois copos sob o balcão. Um com muito gelo, outro com pouco. Perfeito, duas doses. Ela estava certa.
Ligaram o som e sentaram no sofá. Ele na direita, ela na esquerda. A mão dele na perna dela, abrindo e fechando os dedos, como se quisesse agarrar algo, carinhosamente. A mão dela na nuca dele, com a ponta dos dedos desenhando sua orelha.
Ela adorava a previsibilidade. Ele também.

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