segunda-feira, 3 de março de 2014

Enquanto comíamos ao redor da vela acesa
E que não tinha função, senão a de acalmar o ancestral interior
Que devorava um prato de comida
(e que haveria de gostar mais de fazer isso ao redor do fogo)
Embalado pela Fome Imensa e pelo Bill Withers

Enquanto eu servia o chá gelado
E com os olhos da Fome Imensa comia as texturas do pepino em conserva
E me lambiam os ouvidos barulhos lembrados de uma música do Pink Floyd
Que apresenta sons de alimentos sendo manipulados,
E o tilintar das louças nos dá água na boca

Me riscou um riso na cara
De te lembrar ontem
Chapada

Fazendo amor com a caixa de som

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A mulher gritava. O cão latia.
-Não late mais! Não late mais, seu animal!
A mulher latia. O cão não entendia.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

o rastro de um caracol parece às vezes sofrimento
mas é pelo jeito dele andar
porque se corresse, ou se saltasse...
mas é pelo jeito de eu olhar pra aquele andar, quem sabe

e as uvas que caíram na língua da minha mente agora
eu hei de achar uma importância nelas
até lá se bate em cordas, peles...
que quem sabe seja isso mesmo

porque tem coisa que vem pra dizer
já outras vem pra calar.
tudo que te fragissibiliza
o que te mau sensibiliza
é muro onde se pinta um grito e passa toda a gente, e passa...

cai a casca colorida e se empalidurece
não mais te entristece a vista, escala, estampa um som no vento, um som relento, um som bonito, uma cantiga

tudo que te fragissibiliza
é chuva
é bem bonito, alegre, é triste
cai e seca e volta e cai e seca e volta e...
nunca a mesma
nunca a mesma

tudo que te fragissibiliza
passa.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O tempo para

no vapor de uma cascata
sob a sombra de um pé de limão de lua
esse céu de cem pequenas luas
verdelinas, se azulino é o cogumelo

e com um chá de cheiro enche-se um riso de suspiro doce
do que não se come

o tempo para num mirar de cabanitas
para bem morar e se sentar numa varanda torta
e tecer planos de arranjar uma carroça e um pangaré
pra se levar pra lá e pra cá umas gentes, se levar a vida

para no correr das nuvens
das cores das nuvens - o correr do tempo
até nisso o tempo para, se assistido de olhos leves

para entre um dormir cantado baixo e um sonho
ou se apagar ao sol e despertar na chuva
e não ter pressa em levantar.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Te largar

Se bem viste o voo de uma borboleta
sabes bem que às vezes, no pairar
entre uma remada e outra
ela se cai
ao vento
ao ar

como num tango

é o que dá elegância à vida.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Atrás dos olhos

Cancro que cresce e descrença ou crença, nunca o meio-termo ou nada
nulidade que desaparece
prece ateia a desespero
nada leve, leva a paz, leva o sossego
peso
em cada pouso que por acidente, ou sem razão, inconsequente
consequênta um vão vislumbre de tragédia, de euforia, de alegria, de agonia
que de fatos nada feitos, nada vistos, nadam numa poça do possível, do passível, da pequena cauda do fantasma gaussiano
imaginário
pesa cada brisa, cada brilho, cada ofusco, ofusca o resto

o resto

aquele pousado suavemente na nuca.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Noite

"Boa noite
boa noite amigo
já te aviso que é boa noite de cumprimentada, e não de sono
vai chegando e senta
aqui tá tudo como tu tá vendo
tudo escuro
tudo nada
tudo pó
tá pó parado
porque nem tem vento
nem tem movimento
e já te aviso que a tua presença não melhora nada
é só mais olhos
e olho não fala nem sopra
pede uma cerveja e bebe
o gosto não tem gosto de nada, né
até dói de tão vazio
fica sentado e te acalma
fica sentado
ó
quer ver
vou parar de falar."

(o sol se espicha numa tábua
pó dourado em suspensão...
é quando a noite cala a boca e deixa as coisas serem
não aponta
só deixa as coisas serem.)

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Cabeça garrafa

pensamento é água
sono é ar.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Divagações de dezembro

A natureza é cheia de particularidades
e entenda o que quiser por natureza
isso também faz parte do que me refiro

Vejo meu vô caminhando
e vejo meu pai no seu jeito
e me vejo
e essa linha imaginária
descontínua
tem força em cada nó
no juvenecimento
e se enfraquece como um todo
e se dilui

Vejo meu vô caminhando
lá longe na estrada de chão batido
ao longo da cerca
e fico imaginando que ele deve retomar
talvez sem nem pensar
sentimentos da infância
talvez o caminho que fazia pra escola

Vejo essa criança de olhar ingênuo na minha frente
e penso na distância que entre ela e meu avô existe
não do tempo
mas na decorrente dele que há agora
nesse instante
no cruzar de olhares com visões tão diferentes de tudo
o que os torna quase incompreensíveis entre si

Penso na diversidade de visões que cada coisa dá
e que essa própria propriedade em si
pluralidade de visões
é também um elemento
coisa
tipo uma espécie de bicho
que também é um coletivo de diversidades

Penso enfim que essa pluralidade é eu
somente eu
e tiro um peso enorme das coisas
que não tem pluralidade alguma nelas

toda ambiguidade é dos espaços.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

o futuro é um deus morto

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

"Eu queria estar agora..."

Você queria estar agora
onde você não está.
E assim lá seria
e assim sempre será.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Toda filosofia e ciência dos homens
fala a respeito dos homens e mais nada

Assim como todo poema
só diz respeito ao poeta
e não das coisas e das amadas.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Insustentável

Três trilogias
precisam ser registradas enquanto são três
antes que sejam quatro ou cinco

três trilogias:
paisagem
sincronia
e representação

mas com a trilogia das trilogias
são quatro, droga.
eternamente condenadas
a não serem três

se eres dois
não eras
se eres quatro
muito menos

a trilogia das trilogias
eternamente condenada a não haver
presa entre um dois e um quatro
igualzinho um três.
De repente haviam três garrafas na mesa
uma com vinho
uma com cera
uma com fogo.