quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Hoje transcendemo-nos
nossas individualidades e desejos
que expressamos em segredo
nós subjugamos.

Lembra aquele ponto no horizonte
que fitamos lado a lado?
o bem, o todo, o belo?
ele foi se aproximando enquanto andamos.

Nossas linhas, nas conversas
dos olhares até o ponto
convergiram, convergiram
até que nos vimos.

E, lá dentro d'outro
ainda estava o ponto
o bem
o todo
o belo.

É tão fácil distrair-se nos teus olhos
na tua voz
é tão fácil se perder no nevoeiro
ou na noite
e esquecer que o sol persiste
em nosso centro 
lá no alto ou d'outro lado
do horizonte.

Mas, nós combinamos:
se nas íris de eros
esse ponto do horizonte também mora
manteremos nosso foco nele
e não no encanto
porque encanto passa
porque é raro de encontrá-lo ali
onde achamos.

Que a intenção do enlace
se por vez se passe
seja a paz.

Que fitemos, sim, as íris
porque é bom
mas jamais surdemos
ou ceguemos
para o rio que passa
diante delas
e através.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

 


Pedras sentam na baía, iluminadas
Nato esquecimento
Um barco que as pretende, oscila
Acúmulos de paz.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

O andarilho e a casa

Sempre gostei de, caminhando, olhar as casas, seu pátio, as janelas, sua relação com a rua. E nelas pensar como seriam, foram, são, as vidas e infâncias. O cotidiano. No trajeto que escolhi para ser a consolidação da tarde, há várias dessas em que vejo tais histórias. Em uma, imagino a criança brincando depois da escola. Em outra, imagino uma família visitante chegando de viagem, com as malas, pela porta da frente, pra passar uma semana, tomando café e conversando e jantando agradavelmente com os familiares anfitriões. Tem uma que eu não consegui imaginar nada. Sua arquitetura é bem bonita, criativa, rica, mas, faltava essa emanação dela, que eu não sei dizer. Faltava esse indizível que até uma outra, de madeira e abandonada, tinha. Quando as pessoas se foram dessa, ficou ali essa coisa sozinha, no mato, no pátio, na relação com a rua. Estava lá sem uso, o possível. Então, essa coisa não é calor humano e presença, apenas. Tem mais a ver com histórias, mas nos dois sentidos: passadas e possíveis. Ainda que não se realizem, é algo da casa. Compreendi aquelas casas ou apenas projetei-me nelas? Olhei com sorriso e atenção. Se projetei algo, foi compaixão. Demorei-me em cada, ainda que em segundos. É assim que pretendo olhar pra tudo. Aquela que faltava o algo poderá ainda tê-lo, pensei, não é difícil. Luz. Grama. Flor. Gato. Infância. Cão. Visita. Gratidão. É assim que quero olhar para as pessoas. Olhei para dois cães e desejei que recebessem carinho e atenção de suas famílias. Passei por uma jovem mãe sentada com seu bebê e pensei que ela dá todo o amor que recebe e não recebe. Pessoas. Casas. Eu estou bem e muito, obrigado. Minhas angústias, reconheço cada vez mais sua pequenez. Estou pronto para dar carinho e atenção com olhos, voz e mãos.

Se, algum dia, você não radiar mais essa luz que emana e que reflito, não se abale. Inclinarei-me para refletir mais luzes em tua direção. Serei um espelho oblíquo pra você. Já aprendi a te olhar e eu não sei desaprender. Hoje, abro os braços e recebo tuas palavras como raios de sol. Como as casas do caminho, eu não sei tua história, mas eu vejo um lar sereno e encantador, onde pode-se deitar na rede, demorar-se lendo, tomar chá no banco do jardim florido e cantar baixo para a noite à luz de velas. Na sua rua eu passo e digo: hoje o céu está estrelado, vem dançar? Ou apenas deito-me no chão e dou boa noite. Porque até a tua calçada é aconchegante.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Bem te vi, manhã!
Me arrancaste de casa e de mim.
Me banhaste de brisa e de cantos.
Te sou. Me somos.
Gratidão.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Transentir

Às vezes, meus olhos são pra dentro
afundados no que eu sinto
ou quando longe, ilhados
pairam na paisagem da memória.

Nesses dias, caminho e não vejo nada fora
e as casas e jardins olham pra mim "como um girassol..." que me seduz.
Um cachorro até que olhou como cachorro
mas, me vendo, entendeu tudo e desistiu o latido, por achar que eu não ouviria.
Caminhei, mesmo?

Às vezes, minha alma é do lado de fora
na pele, nas narinas e retinas
e o vento, o cheiro e a luz, tua luz 
são-me os próprios vento, cheiro e luz.
E agora dentro, fogo extinto?

Mas, se aprendo a ser criança
e a dançar de mãos com o céu e a terra
e a deixar que o vento, o cheiro, a luz
e o chorar e a chuva
molhem não só pele e chão, mas o que eu sinto
e que o que eu sinto saia e molhe a chuva
e que essa chuva que eu molhei te molhe
então, no encontro, nada apaga
nada paira e nada afunda.

E o sentido assim sai como um cão banhado
se chacoalha, te respinga e rimos.

É preciso que uma entre e outra saia 
se transpassem, que se alcancem
porque é nesse encontro que ela nasce.
A beleza eterna e una, que transmuta, dança.

domingo, 15 de setembro de 2024

Acho importante estar em sintonia.

Hoje, por exemplo, um dia cinzento e solitário. Meu almoço combinava bem o amargo das fibras com o tempero azedo e a ausência de gordura. Nem parece que botei sal. Ainda bem. Parecia catado do chão (da floresta, não da cidade, o que não é tão ruim). E o vinho, então, harmonizou perfeitamente. Era velho.

Mark Knopfler acompanhou com sua nova canção estilo velho Cash, enquanto Brendan Perry memorava coisas tais como: filhos do sol, do mar viemos, sacrifícios para elementais e, na cabeça, girassóis.

Na remada da manhã, constância e consistência até alcançar um não lugar, mas o cansaço, e sustentá-lo. Chegando no meio do nada, deve-se voltar.

Me senti bem depois da remada, da música e da comida amargas. Mas aqui dentro ainda tento acertar o ritmo e a vida não é carreira solo.

Experimento o que me ensinam Buda e Ricardo Reis. Mora ali a resposta? Ou seria o blues? Não sei. Tenho percorrido um mar de morros. Agora nesse vale fundo morreremos sós, céu, monotônicos?

Encarei a parede e adormeci.

(Em segredo, um pássaro cantou)

...

Em segredo, adorava uma divindade. Expressava diária e monologamente o desejo de ter com ela para longas conversas, ouvir sua sabedoria e receber diretamente amor. Naquele dia, finalmente, lhe apareceu. Vestia a noite e uma estrela, daquelas que só aparecem na visão periférica, então não lhe podia olhar diretamente. Sobre as elevadas expectativas, no entanto, derramou-se um balde d’água fria de secura ardente: “VEJA! NÃO SOU. LIBERTE-SE!”. Desapareceu.

Arrasado, saiu para lugar nenhum pisando sobre nada e tropeçando em verdades, levando-o inevitavelmente a cair no vazio. Tentava agarrar-se em algo, em vão.

Entediado pela queda interminável, tirou do bolso um velho guia físico-espiritual constituído de uma página onde estava apenas representado um barbante na vertical e, de cada ponta, abriam-se universos (d)e conceitos. Pela primeira vez, então, experimentou virar a página sem sair da folha, já que era a única. O resultado da mudança de ângulo para a nova dimensão foi ver que o barbante era, em realidade, uma circunferência em que as duas cosmopontas se ligavam, de modo que uma aparente oscilação para cima e para baixo consistia em ilusão gerada a partir de um movimento circular contínuo.

Passou a viver sob essa “cosmocircunvisão em queda livre” e compreendeu como era possível ser feliz e triste ao mesmo tempo. Que a beleza não era uma qualidade das coisas, mas um impulso para a transmutação dos sentimentos. Aprendeu a amar sem receber e a reconhecer o que não poderia ser tanto se não fosse apenas.

Muito espaço-tempo depois, a queda se consolidou: não era chão, mas mar . Tão longe-longa a queda que esqueceu da divindade. Boiando, percebeu e disse: “Ha! Libertei-me de ti!”. Quando, então, de um velho canoeiro, chamado “Seu Divino”, ouviu: “SE VOCÊ PENSA QUE FOI DE MIM QUE SE LIBERTOU, NÃO ENTENDEU NADA”. Suplicou: “Dê-me outra chance. Como posso compreender tudo e libertar-me verdadeiramente?”. “VARRA A CALÇADA”. “Hum... ok. E depois que terminar?” “DEVE DEIXAR QUE SUJE NOVAMENTE E, ENTÃO, VARRÊ-LA”. “Tá, mas... e no intervalo?” “RESTAURAR CAPAS DE DISCOS DE VINIL”.

Já entendendo aonde aquilo iria não chegar, despediu-se e partiu. Dessa vez não em meio ao nada, mas a nado. Parou e, uma última vez, voltou o olhar. Longe e velho se reconheceu, remando. Saltou um peixe.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Só vestido de ar nascente ou poente
névoa ou poluente
se lhe pode olhar.

Nu, não!

Então, é o sol que imitamos?
(A religião natural, inconsciente?)

sábado, 11 de setembro de 2021

Aquela paz de uma tarde, que é como se fosse manhã
de sábado, que é como se fosse domingo, ou terça
ouvindo, que é como se não ouvisse
um pássaro, que é como se fosse eu
lá fora, que é como se fosse aqui

a paz do momento que não importa
da indiferença autêntica, inocente

todas as filosofias
todas as ciências
todas as religiões
nenhuma delas
ser um bicho, finalmente
e menos: sem qualidades

enquanto um corpo é inspirado e expirado
que é como se fosse eu respirando

e não sedento, sem a fim
sem dentro, sem mim
rio como um rio.

sábado, 6 de julho de 2019

Na verdade eu sempre fui todo foda-se e coração. O resto é tudo disfarce. Meu maior defeito é a propensão ao vício, que recém descobri ser sinonímia de paixão. Meu segundo defeito é considerar isso um defeito. Minha virtude é saber que é um defeito considerar isso um defeito. E minha segunda virtude é não ligar tanto pra esses dois defeitos e essa virtude. O que escorre da destilação dessa análise? Que na verdade sempre fui todo foda-se e coração. Já razão raiva ordem seriedade e calma, só disfarce.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Ponteada do solo

Do sol ao solo
Da chuva ao chão
Vem uva, vinho, ovo, erva e pão.

Do malte, lúpulo e vida a cerveja...

Da abelha e flor da mata a cera e o mel.

(Batidas de viola)

Mas tem uns hóme
De mente presa e capa preta
Que não permitem que se plante tudo que se queira e querem que comamos tudo o que se põe nas planta e que se mate tudo o que espontâneo é...

Mas sobre as hierarquia eu sei
Que um ponto fraco ao menos tem
Que a base quando movimenta mexe o topo mas se o topo cai a base aguenta em pé.

(Batidas de viola)

Camponês... Cidadão...
Operário, aluno, escravo, filho, telespectador, freguês, consumidor.

Mulher, índio, negro...
Livre amor sem preconceito...

(viola...)

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O LIVRO

Jorge Luis Borges 

Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões de sua visão; o telefone é a extensão de sua voz; em seguida, temos o arado e a espada, extensões de seu braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.
Dediquei parte de minha vida às letras, e creio que uma forma de felicidade é a leitura. Outra forma de felicidade − menor − é a criação poética, ou o que chamamos de criação, mistura de esquecimento e lembrança do que lemos.
Devemos tanto às letras. Sempre reli mais do que li. Creio que reler é mais importante do que ler, embora para se reler seja necessário já haver lido. Tenho esse culto pelo livro. É possível que eu o diga de um modo que provavelmente pareça patético. E não quero que seja patético; quero que seja uma confidência que faço a cada um de vocês; não a todos, mas a cada um, porque “todos” é uma abstração, enquanto “cada um” é algo verdadeiro.
Continuo imaginando não ser cego; continuo comprando livros; continuo enchendo minha casa de livros. Há poucos dias fui presenteado com uma edição de 1966 da Enciclopédia Brockhaus. Senti sua presença em minha casa − eu a senti como uma espécie de felicidade. Ali estavam os vinte e tantos volumes com uma letra gótica que não posso ler, com mapas e gravuras que não posso ver. E, no entanto, o livro estava ali. Eu sentia como que uma gravitação amistosa partindo do livro. Penso que o livro é uma felicidade de que dispomos, nós, os homens.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

No dia em que eu te vi eu não fazia ideia de quem tu era
nem de quem tu iria ser pra mim. Eu só tinha uma decisão muito clara em mente: sair. Sem me preocupar com "a estrada para além da curva da estrada".

Nossos lábios e braços se encontraram um tempo depois, mesmo que os meus olhos já tivessem te encontrado um pouco antes.

Depois disso, o que eu lembro com mais força é mais ou menos o seguinte:

Sol (aquele bem macio)
Mato (o mais cheiroso)
Fogão à lenha; e aqui tu vai concordar comigo que é merecida uma pausa.

Faz exatamente um ano, hoje, que esse fogão à lenha e tudo que estava ligado a ele - o chão de madeira, o ar quente, a penumbra, o colchão, a vela verde-azul e, louvadas sejam as coisas sagradas mundanas, aquilo que estava ali em toda parte e que entrou em nossos corpos e chamamos até hoje de Amor - representam pra mim um começo.

Tu me mostrou a Realidade na sua forma mais bonita e simples.

Tu escreve Bom Dia com maiúsculas, e talvez tu não saiba, mas isso simboliza muito bem a forma como tu leva a vida, e eu quero continuar levando ela assim mesmo contigo. Bem assim. Dando a devida importância e intensidade às coisas do agora. Porque afinal de contas, a vida é feita de dias, de momentos, e o sagrado está em tudo, pra onde quer que olhemos com a devida calma e atenção. Hoje eu olho pra ti com a devida calma e atenção. E te digo: nunca foi tão bom acordar de manhã.

Te Amo!

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Do banheiro interditado, pra vida

Às vezes simplesmente não dá pra fazer (n)o mesmo de sempre
e se é forçado a escolher outra porta
e todo um novo microscosmosuburbano é revelado
na face interna.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

hoje é sexta
o sol passa entre as folhas e atravessa a janela do banheiro
do mesmo jeito que em outros dias
só que hoje é sexta

a palavra "trabalho" parece um tantinho ridícula
e sente-se um pouco mais de empatia com os cachorros na rua
que andam por aí catando comida, sexo e descanso

mas só até a segunda começar
o que me parece um pouco ridículo, hoje que é sexta.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Sítio Bela Vista

No horizonte que nos arrodeia
o vermelhão se espalha bem mansinho num gradiente 
enquanto a lua brilha em cima, feito um brinco

corta a cana, Sérgio, e dá pras vaca!
enche o cocho das galinha
cuida o porcão que quando vê ele foge e já ta atrás de ti
cafungando tu pegando o trato
e vai que te abocanha!

lixo?
se demora a ter...
esse é pros cachorro
esse pros porco
e esse pra horta
pronto, só lavar.

taca lenha no fogão!
arreda essa chaleira antes que seque!
tira as batata doce do forninho, vê o arroz, o frango e o aipim e o pinhão!

agora um mate...
e vamo dá pernada!
tem cachoeirinha, figueira centenária, açude, cânion...
e o Urso velho firme, sempre esperto, nos cuidando como o veterano que é daqueles campos.

e os pé de fruta, bah!
só imagino no verão
vai dá de tudo!

ô dia que rende o do colono!
e parece até que tem mais tempo pra "vadiar", prosear, dormir...

no fim, tudo se tinge de laranja
as sombras se esticam até não poderem mais
e se arrebentam todas juntas numa única e grandiosa sombra - a Noite.

logo já se vai deitar
e a sensação de saciedade é bem além de ter comido, ou ter rendido
é sensação de ter vivido.

...

Eu estive caminhando pelos campos de cima do Cerro, e sabe
não vi nenhuma teoria
nem palavra, letra
nem conceito ou número qualquer naquelas bandas

vai ver é por isso que quando a professora do Sérgio fez uns cartões com figuras de árvores que tem por ali e o nome escrito embaixo, pra estimular ele a aprender a ler
ele seguiu ignorando aqueles símbolos e acertando tudo com a destreza de um botânico colono
como se lesse.

e ele lê.
lê o "jeitão" que a natureza tem
essa coisa holística que não se explica
e que é tudo o que ela têm na realidade.