segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Receita-roteiro para a alma-escrita

O que aconteceu
Como me senti
Transmutação do sentimento
O que realmente importa.

domingo, 13 de outubro de 2024

Sou um homem que tem pouca esperança e pouca ambição.
Às vezes tão poucas que parecem pessimismo e conformismo.
O outro lado da moeda é que tenho bem desenvolvidas a resiliência e a aceitação.
Meus lutos são curtos. Às vezes tão curtos que parecem indiferença.
E às vezes são, já que tenho uma noção de escala. Vejo a pequenez do que é pequeno.
Sei perder, principalmente o que eu nunca tive.
Lido com a dor ao meu modo: escrevo. 
Encaro ela de frente e a disseco. Dói na dor, então.
Meto o dedo na ferida com propósito de ver lá dentro a cura. Sintetizo e a transmuto.
Por tudo isso, sou visto geralmente como alguém tranquilo e, portanto, tranquilizador.
Não sou bom em confortar pela empatia, por meio de sentir ou perceber a dor do outro. 
Mas dizem que sou bom em acalmar, porque transmito paz no jeito e nas coisas que eu falo.
Escrevo tudo isso por notar como é engraçado como as coisas se combinam: a minha quase indiferença e as poucas esperança, empatia e ambição - que às vezes machucam - por suas faces de tranquilidade, aceitação, resiliência e contentamento fácil, outras vezes, são fontes de conforto e cura.

Despertar é desapaixonar-se

Quando eu tinha alta a esperança
Levava ao alto os braços para receber o sol e o vento
Quando ela baixou, despencaram-se meus braços que pesaram, com pesar
Desmanchou-se algo no peito.
 
Eu não quis levar tristeza até a lagoa nem ao mar, para não contamina-los
Deixei que eles ficassem lá com sua alegria pura
Sem meus olhos temporariamente tristes do encanto manchado
Mesmo eu sabendo que o encanto é que é uma mancha sobre as córneas.
 
Despertar é desapaixonar-se pelas coisas separadas - o outro ou você mesmo
Ou apaixonar-se pelo todo, amar a tudo igualmente, o que dá no mesmo
A paixão é a extinção do meio-termo: ora é dor, ora euforia, e nunca suficiente
Despertar é extinguir seu fogo dos desejos, e então serenar, contente.
 
Não estou desperto. Estou no meio da fumaça, entorpecido
Sei tudo: sei de Lídia, do que não seria tanto se não fosse apenas
Sei de amar sem receber, sei da pequenez das coisas, sei do bem maior
Mas saber não é viver. Quem apenas sabe tem um mapa em mãos e não caminha.
 
Despertar é desapaixonar-se pelo pouco, ou ver com-paixão a tudo
É uma indiferença alegre e compassiva de quem sai de cena, extingue-se
Não vou te desver, então, nem me desapaixonar. Vou desver a mim.
Até que, des-manchado como a areia fina, possa ser o chão de qualquer um.

Desmanchar-me em fina areia
Amar a tudo e ser soprado pelo vento
Banhado pela chuva e pisado pelos bichos
Por raízes transpassado. Pelo sol iluminado.

Desmanchado como a areia fina, possa ser teu chão
E moldar-me ao jeito que quiser andar
Para onde e para quem, com quem
Se quiser deitar.
...

Não era chuva lá no céu a vir, mas um pássaro a voar
Sem tocar, deste ao mar que estou tua cor e o canto.

Nessa ilha que formou-se do conhecimento que sedimentamos - a amizade
Sobre a areia fina que me faço chão
Sempre encontrarás a paz e pouso.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Estratigrafia (circular) da paixão

A esfera da atração, a mais volátil 
é feita de ar.

Que vibra a partir das batidas cardíacas
e flui através dos suspiros ardentes.

É a esfera que sente, etérea.

A esfera da expressão, intermediária
é feita do som e da luz das palavras.

Do dito e do escrito
de olhares cruzados.

É a esfera que lança e alcança.

A esfera da realização, a mais densa
é feita de pele.

Da mão que se estende, segura e afaga
que dança.

Da pele que toca, que aquece e que sua
na sua.

É, pois, novamente
uma esfera que sente e etérea.

De dentro para fora se adensa
se as percorre e se volta.

Três esferas, uma essência.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

sua foto
sustenta um
segundo em
seu dedo

sua luz tão 
sutil que em
segredo
seduz.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Peri

Desliza a caninana calma, saciada
Pousa e repousa um bando de biguás
Dança nos meus pés vanessa, a borboleta
Imerge enquanto nada a capivara, tímida.

Cerca-me de liberdade, essa lagoa
Guardada pela restinga.

Areia que se molda ao corpo
Sol que aquece
Vento afaga
Sombra que adormece.

Lá no alto, vejo a casa onde me retirei
Para dias de silêncio, esforço e harmonia.

Eu amo esse lugar!

Pasma, a mente tenta explicação 
Mas por que tanta alegria? De onde vem?
E a resposta é "cale-se e respire", apenas
Feche os olhos e abra o coração.

Este não é um lugar que se explica
Estar nele, plena e verdadeiramente
É a resposta em si.

Chega a ser até um pecado
Desejar ter algo mais aqui, no paraíso
E esse é, na verdade
O único pecado em te querer.

À Lagoa do Peri, peço perdão.

Conhecendo a sua lenda
Creio que o terei.
...

Peri foi um índio que se apaixonou perdidamente pela bruxa Conceição. Amor proibido, encontravam-se na mata às escondidas.

”Onde já se viu, nossa bruxa andar sem roupa com aquele bando?!”, diziam as bruxas.

“O Peri voando por aí?! O lugar dele é na terra, aqui no mato!”, diziam na tribo.

Maldição lançada, Peri é transformado numa lagoa. Inconformada, as lágrimas de Conceição, salgadas, se acumularam e formaram outra lagoa.

Mas o laço entre os dois era tão forte que Peri moldou-se em coração, para que ela sempre sinta suas batidas, seu amor por ela. 
...

"A sensação do belo não é outra coisa do que o desejo de harmonia das possibilidades de conhecimento" (Byung-Chul Han).

sábado, 5 de outubro de 2024

Temos quase a mesma idade
Histórias diferentes, nossas vidas
Nossos corações, nem tanto.

Será que, em algumas noites
quando adolescentes
nós olhamos para o céu
ao mesmo tempo?
Para a mesma estrela?
Era teu olhar, lá, refletido?

Convergências...

Nossa velha amiga, a solitude
que nos confortava, silenciosa
terá sido ela quem intermediou o encontro?
E agora, olharemos para o céu noturno
novamente ao mesmo tempo
mas do mesmo ponto?

Se assim for
me será difícil distingui-las, tu e a noite
mas a dúvida não nos será problema.

Com um abraço
envolverei as duas
e nós três seremos um.

Como sempre.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Você subiu tudo
até o alto da montanha 
para ver o sol, bem mais alto do que as nuvens
então, ontem, foi um dia plenamente iluminado.

Hoje, você finalmente se atirou
com a luz que lhe restou, você é livre agora
e ninguém nem nada, muito menos eu
pudemos segurar-te, e nem devemos.

Eu estou embaixo, aqui no mar
e te ver caindo assim, desnuda 
é ao mesmo tempo doloroso
e admirável, tua coragem

Flutuando n'água 
vejo tu se aproximando 
como gota d'uma doce chuva
para o mar azul, sereno e vasto

Não sabemos quanto dura a queda
não pretendo achar que sei tua dor
deixe que o ar corra no teu rosto
que das lágrimas lhe deixe apenas traços.

Traz tua luz sagrada 
que eu a guardo, a cuido em ti
com meus braços bem abertos e estendidos
eu te aguardo!

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Sei que tu não és perfeita 
Mas espinhos são defesas, não defeitos 
Cada um tem seus motivos
E eu respeito.

Sei que tu não és perfeita 
Mas não há quem não mereça ser feliz
Não é algo que se ganha, recompensa
É uma jóia bem pequena, no seu bolso.

Sempre esteve ali
Põe ela no peito!
Hoje transcendemo-nos
nossas individualidades e desejos
que expressamos em segredo
nós subjugamos.

Lembra aquele ponto no horizonte
que fitamos lado a lado?
o bem, o todo, o belo?
ele foi se aproximando enquanto andamos.

Nossas linhas, nas conversas
dos olhares até o ponto
convergiram, convergiram
até que nos vimos.

E, lá dentro d'outro
ainda estava o ponto
o bem
o todo
o belo.

É tão fácil distrair-se nos teus olhos
na tua voz
é tão fácil se perder no nevoeiro
ou na noite
e esquecer que o sol persiste
em nosso centro 
lá no alto ou d'outro lado
do horizonte.

Mas, nós combinamos:
se nas íris de eros
esse ponto do horizonte também mora
manteremos nosso foco nele
e não no encanto
porque encanto passa
porque é raro de encontrá-lo ali
onde achamos.

Que a intenção do enlace
se por vez se passe
seja a paz.

Que fitemos, sim, as íris
porque é bom
mas jamais surdemos
ou ceguemos
para o rio que passa
diante delas
e através.