sábado, 28 de dezembro de 2024

O colo

Bom dia, Dona Araucária! Venho aqui, nessa manhã, lhe agradecer pelo acolhimento que me deste ontem à noite.

Quando eu fui sem rumo no escuro, sem nada nas mãos e nos bolsos, com os pés molhados do orvalho e a cabeça mal orientada, a senhora apareceu bem diante de mim e me deu a sombra que eu buscava contra a luz elétrica que desrespeitava a noite.

Mansamente, senti que podia recostar-me no seu corpo. Quando, então, a senhora convidou-me a sentar e, finalmente, a deitar-me no seu colo.

Envolvido assim, pelas altas ciperáceas e capins, sobre os calombos macios da terra forrada pelas ervas, sob as mil estrelas que formavam brincos flutuantes em meio à tua copa majestosa, encontrei minha plenitude.

Ali e daquele modo, desejei viver. Eu dormiria exatamente como estava e, na madrugada, acordaria e saberia, pela posição das estrelas, quanto tempo havia passado e quanto ainda faltava para a alvorada. Voltaria aos sonhos até ser despertado por mil pássaros.

Ali e daquele modo, enxerguei: não preciso de mais nada. Tenho o chão, um coração tranquilo e um corpo que funciona para conseguir alimento. Mais nada.

Mergulhei meu rosto no chão, senti o aroma fresco e bruto da tua terra viva que toquei. Dancei minhas mãos sobre as ervas, com carícias úmidas sobre as linhas delicadas das suas fibras.

Não queria ir embora. Resisti. Me deitei de lado, quase adormeci. Eu não poderia sair assim, simplesmente levantar-me e ir. Então, sentei-me e, com quarenta expirações e inspirações, me despedi.

Agora, olhe em minhas mãos: essas duas pedras representam dois lindos seres a quem quero apresentá-la. Vamos nós - a senhora, o chão e o céu - relembrá-los do quão pouco eles precisam.

E é precisamente por não precisar de quase nada que quase tudo é especial: porque escolhemos. Quero viver ao lado deles assim, por escolha, não por necessidade, e os relembrando do mesmo, que não precisamos de quase mais nada além de chão, alimento e amor.

Permita-me, então, encostar agora as pedras do compromisso com meu coração no seu corpo e no seu chão para trazer tua sabedoria ao meu peito. 

E que eu possa levá-la aqui dentro para enquanto longe, dizer: "o colo da araucária é onde está meu corpo". Obrigado. Voltarei.

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