terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Me deixa

Menina...
De pé na praia
Poxa, eu te mereço?
Já sei o que vai dizer
“Não sou tão boa quanto acha”.
Me deixa então ser esse louco
Apaixonado, exagerado, otimista
Me deixa ver você como nunca ninguém viu
Nem você mesma
Me deixa me afogar nos teus problemas 
Nas tuas mágoas, raivas e fraquezas
Me deixa deitar sobre os teus espinhos
Me deixa me afogar nos teus cabelos
Nas tuas pernas, braços, no teu peito
Me deixa e vem deitar sobre o meu tronco
Eu te quero assim, inteira como a mata
Onde me perco de propósito, me entrego
Piso sobre as grimpas e me arranho
Deixo a terra grudar no suor
E os mosquitos se esbaldarem
Me deixa sentir que você é real assim
Porque você me faz forte
Então, aproveite e se entregue, salte
Nos meus braços
Selvagem
Inteira
Eu quero trilhar tua mata seminu e de pés no chão
Eu quero sentir tudo sem nenhuma seleção
E te dar tudo que você merece.

Feliz por você

Feliz por você, veranista!
Que vem à praia uma vez ao ano
E hoje acordou com céu azul, ar quente e um vento fresco.
 
A cidade está de braços abertos, os banheiros estão instalados
As cervejas estão frescas, as torneiras estão brilhando
Os músicos estão ensaiados e as mesas estão postas.
 
Venham! Curtam, com seus amigos, crianças e amadas
Eu sei como é a sensação
Feliz por você!
 
Feliz por vocês, meus bichos
Que descansam bem saudáveis e tranquilos.
 
Feliz por você, corruíra
Que encontrou no mato que arranquei
Em meio à terra solta, alimento.
 
Feliz por você que está sofrendo
Porque sei que essa dor é a porta estreita
Para a nova estrada à frente e para, finalmente
Conhecer a vida baseada em amizade e amor.
 
Feliz por você, menino
Que já era amado e será, agora, ainda mais.
 
E feliz por você, meu bem
Que já tinha amor em ti, lá dentro, pela vida
E agora abriu a porta e alçou voo
Encontrou um outro amor voando e dançarão
Voarão por esse mundo afora e bem aqui.
 
Feliz por vocês todos
Eu não preciso de mais nada
Tenho no bem de vocês o meu maior presente.
 
Enquanto os enxergar assim, estarei bem.
Enquanto estiver bem – mesmo se doente ou sozinho
Enxergarei vocês assim.
 
E se você, meu bem, não estiver assim, um dia
És a pessoa que escolhi para me dedicar a olhar tão bem
Mas tão bem, que mesmo em tua tristeza enxergarei caminho
Estenderei minha mão e te conduzirei, novamente, para o sol e o mar.
 
Porque desde que te conheci, meu céu, vestindo a noite e uma estrela
Eu me sinto mais sol e mar do que nunca
Você me fez verão, e eu te abraçarei em todas estações da tua vida.

sábado, 28 de dezembro de 2024

O colo

Bom dia, Dona Araucária! Venho aqui, nessa manhã, lhe agradecer pelo acolhimento que me deste ontem à noite.

Quando eu fui sem rumo no escuro, sem nada nas mãos e nos bolsos, com os pés molhados do orvalho e a cabeça mal orientada, a senhora apareceu bem diante de mim e me deu a sombra que eu buscava contra a luz elétrica que desrespeitava a noite.

Mansamente, senti que podia recostar-me no seu corpo. Quando, então, a senhora convidou-me a sentar e, finalmente, a deitar-me no seu colo.

Envolvido assim, pelas altas ciperáceas e capins, sobre os calombos macios da terra forrada pelas ervas, sob as mil estrelas que formavam brincos flutuantes em meio à tua copa majestosa, encontrei minha plenitude.

Ali e daquele modo, desejei viver. Eu dormiria exatamente como estava e, na madrugada, acordaria e saberia, pela posição das estrelas, quanto tempo havia passado e quanto ainda faltava para a alvorada. Voltaria aos sonhos até ser despertado por mil pássaros.

Ali e daquele modo, enxerguei: não preciso de mais nada. Tenho o chão, um coração tranquilo e um corpo que funciona para conseguir alimento. Mais nada.

Mergulhei meu rosto no chão, senti o aroma fresco e bruto da tua terra viva que toquei. Dancei minhas mãos sobre as ervas, com carícias úmidas sobre as linhas delicadas das suas fibras.

Não queria ir embora. Resisti. Me deitei de lado, quase adormeci. Eu não poderia sair assim, simplesmente levantar-me e ir. Então, sentei-me e, com quarenta expirações e inspirações, me despedi.

Agora, olhe em minhas mãos: essas duas pedras representam dois lindos seres a quem quero apresentá-la. Vamos nós - a senhora, o chão e o céu - relembrá-los do quão pouco eles precisam.

E é precisamente por não precisar de quase nada que quase tudo é especial: porque escolhemos. Quero viver ao lado deles assim, por escolha, não por necessidade, e os relembrando do mesmo, que não precisamos de quase mais nada além de chão, alimento e amor.

Permita-me, então, encostar agora as pedras do compromisso com meu coração no seu corpo e no seu chão para trazer tua sabedoria ao meu peito. 

E que eu possa levá-la aqui dentro para enquanto longe, dizer: "o colo da araucária é onde está meu corpo". Obrigado. Voltarei.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O ar toca a água e vira água 
A ave caminha
O gato se afasta
A árvore fica
Na manhã lenta, branca e fria.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Gosto de não fazer nada
para poder pensar muito.

E gosto de pensar muito
para poder não pensar nada.

E gosto de não pensar nada
para poder contemplar muito.

Mas para poder não fazer nada
é preciso, primeiro, fazer muito.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

A rosa

Ninguém é de ninguém.

Mas você deveria pertencer ao lugar mais elevado de jardins feitos em colinas sobre as nuvens de uma terra distante onde habitariam deuses jardineiros que lhe venerariam como a última flor da espécie. E eles não lhe tocariam nem lhe olhariam diretamente durante o dia para não cegarem, tão forte é a luz do mundo todo que é capaz de refletir em suas pétalas e tão profunda é a lança dos seus olhos se adentrasse os olhos deles que, então, perfurados fatalmente, perderiam sua deidade e se converteriam em mortais, camponeses condenados a sofrerem de desejos, desejosos de morrerem para não sentirem mais paixão tão grande e avassaladora pela rosa inalcançável, intocável e inalienável do jardim que, na verdade, então veriam: nunca havia sido deles.

Mas, sabendo olhá-la bem, do jeito certo - à noite ou, se de dia, pela margem da visão - poderiam sentar-se numa pedra e contemplá-la. Quando assim - serenos, respeitosos e sem avidez - você lhes presentearia com o aroma das palavras gestadas no cosmo do seu coração. E seria dessa forma que eles, deuses secretamente instruídos, poderiam transmitir toda a graça e a sabedoria - filhas da beleza de uma rosa - para a humanidade.

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Minha fé

Existe o bem
e existe o engano.

Existe o belo e a cegueira.
Existe o amor e a delusão.

Existe o bom demais pra ser mentira 
e o ruim demais pra ser verdade.

Ao sábio "... se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim", de Sabino, acrescento: ou porque você não viu que já está certo.

Felicidade é aceitação 
que vem depois de uma visão correta.

Se algo lhe parece mal, errado ou feio
olhe de novo e de novo e de novo
De outro ângulo, mais de perto
Mais de longe. Mova-se! Pare.

O belo é a aparência do bem, da verdade.
Perseguindo o belo, se alcança o bem.
E o bem é o particular conforme a talidade.

Praticar o bem é, portanto, agir em harmonia
com as coisas como são de fato - uma.
Eterno é o todo, e tudo dentro é passageiro.

E, finalmente: amar alguém é o sentimento decidido e a prática do esforço para o mais constante e primaz assassinato de uma delusão - a de si próprio - com o intento último de lhe fazer o bem.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

De azul, eu sou apenas olhos 
Duas pequenas íris 
Tuas discípulas-guardiãs.

Mas, você 
Você, meu bem
Você é todo o céu
Que dá vida ao arco-íris!

sábado, 14 de dezembro de 2024

Tua fé

Por detrás da dor, da tristeza e complacência
Como na tua foto em preto e branco
Teu sutil sorriso, quase oculto.

Do outro lado das pupilas, da retina, no pensante
Em meio ao sangue, atravessando o coração
Você sempre soube o muito mais que havia.

Você sempre soube que através dos céus
Aqueles pássaros voavam de um lugar
Para algum lugar melhor, em tempo.

Você sempre soube que além do horizonte escuro
O sol não nasce ou morre, muda apenas de lugar
Banha as almas frias e ilumina o mar. O mar!

Você só voa agora porque sempre soube
Como os pássaros que vão, sem ver o destino
Porque sabem seu rumo e são sedentos pela vida.

O teu vôo é lindo, belo como se uma chuva 
Adquirisse cores e se rebelasse num ballet
E aqui, nessa ilha, antes do inverno há de pousar.

Eu já descobri o que há de mais bonito em ti 
É tua fé, que move as asas e esse coração pulsante 
E quando livre e confirmada, aclara em teu sorriso!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Bom dia, céu azul!
Luz amarela!
Todas as cores!

Menina de preto!
Olhos castanhos!
Mar de todos meus amores!

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Oi
Eu vou aí
Aperto o interfone e tu desce
Saímos correndo, correndo até cansar
Paramos no primeiro café ou bar
No primeiro banco ou num sem banco à beira-mar
Molhados de suor e chuva, ofegamos, rimos
Encontramos música em algum lugar
Curtimos e de pé, feito bêbados bem lúcidos, dançamos.

Tô na vibração do super andarilho, nessa essência
Adeus estranho, pega o rumo de casa, canta a canção lógica
Um café da manhã na américa, do sul! Conquistaremos essa ilha
Saltando cada meio-fio, pisando em cada poça
Sentando em cada pedra e se largando em cada praia.

Me dá a mão, que agora é caminhada
Ei, quer ser minha namorada?
Sei que já pedi tua mão, mas, até lá
Quer ser minha namorada?

Tem um show legal à noite, está cansada?
Eu alugo um quarto, olha só o tamanho dessa cama
Desabe, tome um banho e se desabe, depois eu
Durma e vamos, que essa noite é nossa.

Minha nossa! Como é linda... 
Posso dar um beijo aqui, nesse canto do teu rosto?
Olha a minha namorada
Ela é a única que eu quero nessa vida que me resta.

Na na na na namorada
Na na na na namorada
Porque dizer tchau, e não só um até logo?
Até a próxima volta, até a próxima dança.

Na próxima eu te levo até Montevidéu.
Ei, posso dormir aí?

sábado, 7 de dezembro de 2024

Avessos campestres

O habitante que parte e a casa que fica
A pequenez herbácea e a araucária
O tão longe do horizonte e o chão
O calor da hospitalidade e o frio
O abandono e a preservação
Os campos da coxilha rica.
Na coxilha rica de horizontes, sempre à vista
Como não se ver imerso em imensidão
E não achar a solidão bonita?

Ondulado e pisoteado, doura verde o chão
Integrando a araucária ao gado e à gente
Preservando entre as taipas, anos.

Ainda se vê em campos serranos
Seu veado campeiro e sua tropeira, a patativa
Leões baios, siriemas, graxains e gaviões.

Muda a luz, vê-se novas flores que já estavam
Bacurau que era dormente, agora aviva
E anoitada, sua penada alma alça vôo.

domingo, 1 de dezembro de 2024

Eu preciso colocá-la em partes do meu dia
Escrevendo, lendo, ouvindo, a pensando...
Porque só assim eu vivo a realidade 
Que, na minha, tem ela.

Será mesmo?
Colocá-la onde ela não está não é justamente o oposto?
Não é se esvair da realidade presente, dela ausente?

Sim, eu disse errado.
Eu preciso colocar o amor que tenho por ela em partes do meu dia.
Preciso espalhá-lo ou plantá-lo ao longo dos canteiros e ponteiros dos meus dias.
Agora sim. Porque só assim eu vivo a realidade
Que, na minha, tem o amor por ela.
Mesmo se não tem ela.

Quem ama não sabe viver sem amar.

O amor é como aquele meu primeiro sonho com ela
Em que "nos trancamos" do lado de fora, "dentro" do pátio, pra ficar a sós, brincando um com o outro. 

Amar é ser incapaz de não ser feliz.

É um sair-se que não quer mais voltar.
É um trancar-se fora de si com quem quis o mesmo.
O amor é esse pátio da vida.
É limitado, em volta, porém aberto, em cima.
Tem coisa que tem hora certa pra ser.
Quase tudo.
Ou tudo.
Ou...
Nada?
Tudo tem, sim.
Mas só depois que já aconteceu.
Porque tudo que já aconteceu é certo.