quinta-feira, 26 de setembro de 2024

O andarilho e a casa

Sempre gostei de, caminhando, olhar as casas, seu pátio, as janelas, sua relação com a rua. E nelas pensar como seriam, foram, são, as vidas e infâncias. O cotidiano. No trajeto que escolhi para ser a consolidação da tarde, há várias dessas em que vejo tais histórias. Em uma, imagino a criança brincando depois da escola. Em outra, imagino uma família visitante chegando de viagem, com as malas, pela porta da frente, pra passar uma semana, tomando café e conversando e jantando agradavelmente com os familiares anfitriões. Tem uma que eu não consegui imaginar nada. Sua arquitetura é bem bonita, criativa, rica, mas, faltava essa emanação dela, que eu não sei dizer. Faltava esse indizível que até uma outra, de madeira e abandonada, tinha. Quando as pessoas se foram dessa, ficou ali essa coisa sozinha, no mato, no pátio, na relação com a rua. Estava lá sem uso, o possível. Então, essa coisa não é calor humano e presença, apenas. Tem mais a ver com histórias, mas nos dois sentidos: passadas e possíveis. Ainda que não se realizem, é algo da casa. Compreendi aquelas casas ou apenas projetei-me nelas? Olhei com sorriso e atenção. Se projetei algo, foi compaixão. Demorei-me em cada, ainda que em segundos. É assim que pretendo olhar pra tudo. Aquela que faltava o algo poderá ainda tê-lo, pensei, não é difícil. Luz. Grama. Flor. Gato. Infância. Cão. Visita. Gratidão. É assim que quero olhar para as pessoas. Olhei para dois cães e desejei que recebessem carinho e atenção de suas famílias. Passei por uma jovem mãe sentada com seu bebê e pensei que ela dá todo o amor que recebe e não recebe. Pessoas. Casas. Eu estou bem e muito, obrigado. Minhas angústias, reconheço cada vez mais sua pequenez. Estou pronto para dar carinho e atenção com olhos, voz e mãos.

Se, algum dia, você não radiar mais essa luz que emana e que reflito, não se abale. Inclinarei-me para refletir mais luzes em tua direção. Serei um espelho oblíquo pra você. Já aprendi a te olhar e eu não sei desaprender. Hoje, abro os braços e recebo tuas palavras como raios de sol. Como as casas do caminho, eu não sei tua história, mas eu vejo um lar sereno e encantador, onde pode-se deitar na rede, demorar-se lendo, tomar chá no banco do jardim florido e cantar baixo para a noite à luz de velas. Na sua rua eu passo e digo: hoje o céu está estrelado, vem dançar? Ou apenas deito-me no chão e dou boa noite. Porque até a tua calçada é aconchegante.

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