Acho importante estar em sintonia.
Hoje, por exemplo, um dia
cinzento e solitário. Meu almoço combinava bem o amargo das fibras com o
tempero azedo e a ausência de gordura. Nem parece que botei sal. Ainda bem.
Parecia catado do chão (da floresta, não da cidade, o que não é tão ruim). E o
vinho, então, harmonizou perfeitamente. Era velho.
Mark Knopfler acompanhou com sua nova canção estilo velho Cash, enquanto Brendan Perry memorava coisas tais como: filhos do sol, do mar viemos, sacrifícios para elementais e, na cabeça, girassóis.
Na remada da manhã, constância e consistência até alcançar um não lugar, mas o cansaço, e sustentá-lo. Chegando no meio do nada, deve-se voltar.
Me senti bem depois da remada, da
música e da comida amargas. Mas aqui dentro ainda tento acertar o ritmo e a
vida não é carreira solo.
Experimento o que me ensinam Buda
e Ricardo Reis. Mora ali a resposta? Ou seria o blues? Não sei. Tenho percorrido
um mar de morros. Agora nesse vale fundo morreremos sós, céu, monotônicos?
Encarei a parede e adormeci.
(Em segredo, um pássaro cantou)
...
Em segredo, adorava uma divindade. Expressava diária e monologamente o desejo de ter com ela para longas conversas, ouvir sua sabedoria e receber diretamente amor. Naquele dia, finalmente, lhe apareceu. Vestia a noite e uma estrela, daquelas que só aparecem na visão periférica, então não lhe podia olhar diretamente. Sobre as elevadas expectativas, no entanto, derramou-se um balde d’água fria de secura ardente: “VEJA! NÃO SOU. LIBERTE-SE!”. Desapareceu.
Arrasado, saiu para lugar nenhum pisando sobre nada e tropeçando em verdades, levando-o inevitavelmente a cair no vazio. Tentava agarrar-se em algo, em vão.
Entediado pela queda interminável, tirou do bolso um velho guia físico-espiritual constituído de uma página onde estava apenas representado um barbante na vertical e, de cada ponta, abriam-se universos (d)e conceitos. Pela primeira vez, então, experimentou virar a página sem sair da folha, já que era a única. O resultado da mudança de ângulo para a nova dimensão foi ver que o barbante era, em realidade, uma circunferência em que as duas cosmopontas se ligavam, de modo que uma aparente oscilação para cima e para baixo consistia em ilusão gerada a partir de um movimento circular contínuo.
Passou a viver sob essa “cosmocircunvisão
em queda livre” e compreendeu como era possível ser feliz e triste ao mesmo
tempo. Que a beleza não era uma qualidade das coisas, mas um impulso para a
transmutação dos sentimentos. Aprendeu a amar sem receber e a reconhecer o que
não poderia ser tanto se não fosse apenas.
Muito espaço-tempo depois, a
queda se consolidou: não era chão, mas mar . Tão longe-longa a queda que
esqueceu da divindade. Boiando, percebeu e disse: “Ha! Libertei-me de ti!”. Quando,
então, de um velho canoeiro, chamado “Seu Divino”, ouviu: “SE VOCÊ PENSA QUE
FOI DE MIM QUE SE LIBERTOU, NÃO ENTENDEU NADA”. Suplicou: “Dê-me outra chance. Como
posso compreender tudo e libertar-me verdadeiramente?”. “VARRA A CALÇADA”.
“Hum... ok. E depois que terminar?” “DEVE DEIXAR QUE SUJE NOVAMENTE E, ENTÃO, VARRÊ-LA”.
“Tá, mas... e no intervalo?” “RESTAURAR CAPAS DE DISCOS DE VINIL”.
Já entendendo aonde aquilo iria não chegar, despediu-se e partiu. Dessa vez não em meio ao nada, mas a nado. Parou e, uma última vez, voltou o olhar. Longe e velho se reconheceu, remando. Saltou um peixe.
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