sexta-feira, 27 de setembro de 2024

 


Pedras sentam na baía, iluminadas
Nato esquecimento
Um barco que as pretende, oscila
Acúmulos de paz.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

O andarilho e a casa

Sempre gostei de, caminhando, olhar as casas, seu pátio, as janelas, sua relação com a rua. E nelas pensar como seriam, foram, são, as vidas e infâncias. O cotidiano. No trajeto que escolhi para ser a consolidação da tarde, há várias dessas em que vejo tais histórias. Em uma, imagino a criança brincando depois da escola. Em outra, imagino uma família visitante chegando de viagem, com as malas, pela porta da frente, pra passar uma semana, tomando café e conversando e jantando agradavelmente com os familiares anfitriões. Tem uma que eu não consegui imaginar nada. Sua arquitetura é bem bonita, criativa, rica, mas, faltava essa emanação dela, que eu não sei dizer. Faltava esse indizível que até uma outra, de madeira e abandonada, tinha. Quando as pessoas se foram dessa, ficou ali essa coisa sozinha, no mato, no pátio, na relação com a rua. Estava lá sem uso, o possível. Então, essa coisa não é calor humano e presença, apenas. Tem mais a ver com histórias, mas nos dois sentidos: passadas e possíveis. Ainda que não se realizem, é algo da casa. Compreendi aquelas casas ou apenas projetei-me nelas? Olhei com sorriso e atenção. Se projetei algo, foi compaixão. Demorei-me em cada, ainda que em segundos. É assim que pretendo olhar pra tudo. Aquela que faltava o algo poderá ainda tê-lo, pensei, não é difícil. Luz. Grama. Flor. Gato. Infância. Cão. Visita. Gratidão. É assim que quero olhar para as pessoas. Olhei para dois cães e desejei que recebessem carinho e atenção de suas famílias. Passei por uma jovem mãe sentada com seu bebê e pensei que ela dá todo o amor que recebe e não recebe. Pessoas. Casas. Eu estou bem e muito, obrigado. Minhas angústias, reconheço cada vez mais sua pequenez. Estou pronto para dar carinho e atenção com olhos, voz e mãos.

Se, algum dia, você não radiar mais essa luz que emana e que reflito, não se abale. Inclinarei-me para refletir mais luzes em tua direção. Serei um espelho oblíquo pra você. Já aprendi a te olhar e eu não sei desaprender. Hoje, abro os braços e recebo tuas palavras como raios de sol. Como as casas do caminho, eu não sei tua história, mas eu vejo um lar sereno e encantador, onde pode-se deitar na rede, demorar-se lendo, tomar chá no banco do jardim florido e cantar baixo para a noite à luz de velas. Na sua rua eu passo e digo: hoje o céu está estrelado, vem dançar? Ou apenas deito-me no chão e dou boa noite. Porque até a tua calçada é aconchegante.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Bem te vi, manhã!
Me arrancaste de casa e de mim.
Me banhaste de brisa e de cantos.
Te sou. Me somos.
Gratidão.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Transentir

Às vezes, meus olhos são pra dentro
afundados no que eu sinto
ou quando longe, ilhados
pairam na paisagem da memória.

Nesses dias, caminho e não vejo nada fora
e as casas e jardins olham pra mim "como um girassol..." que me seduz.
Um cachorro até que olhou como cachorro
mas, me vendo, entendeu tudo e desistiu o latido, por achar que eu não ouviria.
Caminhei, mesmo?

Às vezes, minha alma é do lado de fora
na pele, nas narinas e retinas
e o vento, o cheiro e a luz, tua luz 
são-me os próprios vento, cheiro e luz.
E agora dentro, fogo extinto?

Mas, se aprendo a ser criança
e a dançar de mãos com o céu e a terra
e a deixar que o vento, o cheiro, a luz
e o chorar e a chuva
molhem não só pele e chão, mas o que eu sinto
e que o que eu sinto saia e molhe a chuva
e que essa chuva que eu molhei te molhe
então, no encontro, nada apaga
nada paira e nada afunda.

E o sentido assim sai como um cão banhado
se chacoalha, te respinga e rimos.

É preciso que uma entre e outra saia 
se transpassem, que se alcancem
porque é nesse encontro que ela nasce.
A beleza eterna e una, que transmuta, dança.

domingo, 15 de setembro de 2024

Acho importante estar em sintonia.

Hoje, por exemplo, um dia cinzento e solitário. Meu almoço combinava bem o amargo das fibras com o tempero azedo e a ausência de gordura. Nem parece que botei sal. Ainda bem. Parecia catado do chão (da floresta, não da cidade, o que não é tão ruim). E o vinho, então, harmonizou perfeitamente. Era velho.

Mark Knopfler acompanhou com sua nova canção estilo velho Cash, enquanto Brendan Perry memorava coisas tais como: filhos do sol, do mar viemos, sacrifícios para elementais e, na cabeça, girassóis.

Na remada da manhã, constância e consistência até alcançar um não lugar, mas o cansaço, e sustentá-lo. Chegando no meio do nada, deve-se voltar.

Me senti bem depois da remada, da música e da comida amargas. Mas aqui dentro ainda tento acertar o ritmo e a vida não é carreira solo.

Experimento o que me ensinam Buda e Ricardo Reis. Mora ali a resposta? Ou seria o blues? Não sei. Tenho percorrido um mar de morros. Agora nesse vale fundo morreremos sós, céu, monotônicos?

Encarei a parede e adormeci.

(Em segredo, um pássaro cantou)

...

Em segredo, adorava uma divindade. Expressava diária e monologamente o desejo de ter com ela para longas conversas, ouvir sua sabedoria e receber diretamente amor. Naquele dia, finalmente, lhe apareceu. Vestia a noite e uma estrela, daquelas que só aparecem na visão periférica, então não lhe podia olhar diretamente. Sobre as elevadas expectativas, no entanto, derramou-se um balde d’água fria de secura ardente: “VEJA! NÃO SOU. LIBERTE-SE!”. Desapareceu.

Arrasado, saiu para lugar nenhum pisando sobre nada e tropeçando em verdades, levando-o inevitavelmente a cair no vazio. Tentava agarrar-se em algo, em vão.

Entediado pela queda interminável, tirou do bolso um velho guia físico-espiritual constituído de uma página onde estava apenas representado um barbante na vertical e, de cada ponta, abriam-se universos (d)e conceitos. Pela primeira vez, então, experimentou virar a página sem sair da folha, já que era a única. O resultado da mudança de ângulo para a nova dimensão foi ver que o barbante era, em realidade, uma circunferência em que as duas cosmopontas se ligavam, de modo que uma aparente oscilação para cima e para baixo consistia em ilusão gerada a partir de um movimento circular contínuo.

Passou a viver sob essa “cosmocircunvisão em queda livre” e compreendeu como era possível ser feliz e triste ao mesmo tempo. Que a beleza não era uma qualidade das coisas, mas um impulso para a transmutação dos sentimentos. Aprendeu a amar sem receber e a reconhecer o que não poderia ser tanto se não fosse apenas.

Muito espaço-tempo depois, a queda se consolidou: não era chão, mas mar . Tão longe-longa a queda que esqueceu da divindade. Boiando, percebeu e disse: “Ha! Libertei-me de ti!”. Quando, então, de um velho canoeiro, chamado “Seu Divino”, ouviu: “SE VOCÊ PENSA QUE FOI DE MIM QUE SE LIBERTOU, NÃO ENTENDEU NADA”. Suplicou: “Dê-me outra chance. Como posso compreender tudo e libertar-me verdadeiramente?”. “VARRA A CALÇADA”. “Hum... ok. E depois que terminar?” “DEVE DEIXAR QUE SUJE NOVAMENTE E, ENTÃO, VARRÊ-LA”. “Tá, mas... e no intervalo?” “RESTAURAR CAPAS DE DISCOS DE VINIL”.

Já entendendo aonde aquilo iria não chegar, despediu-se e partiu. Dessa vez não em meio ao nada, mas a nado. Parou e, uma última vez, voltou o olhar. Longe e velho se reconheceu, remando. Saltou um peixe.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Só vestido de ar nascente ou poente
névoa ou poluente
se lhe pode olhar.

Nu, não!

Então, é o sol que imitamos?
(A religião natural, inconsciente?)