Quando adolescente, tive uma revolução. Me vi, de repente, descrente do Deus cristão. A natureza era, finalmente, única. Matéria, energia, vida e mente. Todos eram aspectos da mesma unidade. Alma e deus não eram mais necessários e essa grandeza e simplicidade me proporcionaram um alívio chocante e libertador.
Quando conheci o zen, tive uma segunda revolução. A unidade e a contemplação da natureza não eram mais domínio apenas da ciência e da poesia. Além de abandonar a ideia de um deus, aprendi a importância de abandonar a ideia de um eu e de qualquer identidade separada nas coisas, bem como o caminho para esse abandono, que era o mesmo caminho para o fim do sofrimento, para o despertar.
Vivi assim. Até hoje.
Algo havia ficado de fora dessa síntese, no entanto. Pensei algumas vezes em perguntar ao sensei coisas sobre o amor e a paixão, mas me repreendi. Parecia-me algo deslocado. O mais próximo que eu chegava de relacioná-los era na ideia da compaixão budista, do altruísmo. Paixão para mim era vício. Já amor, um conceito meio vago e distante da síntese natureza-vazio que obtive no zen.
Hoje de manhã, ao fechar o livro após a (re)leitura que você me proporcionou de um trecho do meu próprio livro, Agonia do Eros, do Han, tive um clarão. Meu olhos, então, esquentaram e se umedeceram. Novamente um alívio chocante e, dessa vez, acolhedor.
Eu vi o despertar e o amar convergindo para um ponto. Esse ponto era a morte de si. E mais, me dei conta que foi a partir de você, com você e em você que eu aprendia, naquele momento, o que é o amor e onde ele habita dentro do zen e, portanto, dentro da minha visão da unidade vazio-natureza. Foi com o que você me mostrou, foi desenvolvendo junto com você e foi te amando que descobri: "amar é morrer em".
Não é o morrer do mero viver, nem apenas a morte de si, vivendo. É a morte de si, vivendo, mas em algo. Amar o céu é morrer no céu. Amar o todo é morrer no todo. Amar o outro é morrer no outro. Amar você é morrer em você.
Já a paixão, como sentimento, é energia. E como tal, pode ser canalizada para o bem ou para o mal. Não precisa ser vício.
Essa síntese vazio-natureza-amor me parece definitiva e posso dizer com segurança: te conhecer foi minha terceira revolução. Esta é, hoje, minimamente a altura em que te vejo nos acontecimentos da minha vida: a mesma da minha espiritualidade.
Eu jamais achei que aos 38 anos alguém que conheci há menos de quatro meses me ensinaria o que é amar e o que é paixão e como isso se integra à minha espiritualidade não teísta que permeia tudo (ou quase tudo, até então) na minha vida. Te conhecer teve o impacto de conhecer um mestre.
Independente do que nos acontecer, se ficaremos juntos ou não, você será sempre minha terceira revolução, e mais: a única em forma de pessoa. Aquela que me cativou e ressignificou o amor para dentro de todo o resto que realmente importa.
Hoje, 21 de outubro de 2024, não me falta mais nada, mesmo com tanto ainda por saber. Pronto para viver. Pronto para morrer. Pronto para amar.
E o visto foi dito - olhando nos olhos, frutas silvestres, limão com gengibre - e o dito foi escrito. E tudo isso aconteceu precisamente no dia em que me entregou, ali na mesa do chá, "O Banquete" de Platão. Um livro sobre o quê? Eros, deus do amor. Eternamente grato, Rafa.
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"A experiência erótica abre o acesso à continuidade do ser que só poderia ser edificado definitivamente pela morte dos seres descontínuos" (Byung-Chul Han).