terça-feira, 11 de março de 2025

I talk to the wind

Onde estou?
Que lugar é esse?
Névoa densa e silêncio. É noite?
Lentamente eu olho em volta e sigo.
Agora, aberturas no campo de visão.
Ou foram meus olhos que se acomodaram?
Não importa, sinto que posso caminhar mais tranquilamente.
A paisagem estranha tornou-se transitável, sinto o chão macio.
Mas a névoa densa do mistério e da incerteza permanece em suspensão.
Suavidade alegre e mística, bela opacidade, onde eu me entrego aos poucos.
Ainda não sei bem onde estou, mas sinto que posso continuar aqui e é o que eu quero.
Armar uma tenda em meio a esse campo indefinível, deitar-me e sentir tudo que eu não sou.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Sou manhã e és noite

Sol que aquece e brisa fresca

Minha pele sua. Em sua, a sombra.


Fim da tarde e alvorada, penumbra

Sol d'um lado, lua d'outro

Dualidade irresoluta.


Panorama e precipício

Atrator estranho

Amor altero

Emulsão.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Era disso que eu estava falando
Não era sobre viagens, conquistas, carreira
Uma casa boa, filhos ou uma vida longa
Não era sobre qualquer sonho a ser realizado
Não era nem mesmo sobre o despertar da consciência.
 
Era de você dançando na minha sala de vestido à meia-luz
Em frente ao toca-discos
Era disso que eu estava falando
Quando eu falava da felicidade.

E agora a tenho ali, memorizada, a felicidade.
De vestido preto inesperadamente balançando-se
E convidando-me a também sê-la. E fui.
Sim, eu sei. Como foi que você disse mesmo?
“Foi só um mal-entendido”. “Ninguém está imune ao ego”.
Tens razão, e obrigado pelas palavras.
Mas, desculpa, elas não me são suficientes.
Detesto errar contigo.
Então, apenas um pensamento me permitiu restabelecer o centro:
“Este erro eu não cometo mais”.
Parece absolutista, idealista, intolerante, inflexível? Devo aprender a me perdoar?
Não sei. Contigo é tudo diferente. É tudo novo. Os sentimentos.
Eu só sei que nunca quis acertar tanto com alguém.
Então, sabe, acho que você é o meu verdadeiro caminho-impulso para despertar.
Chega. Só vai. Só faz. Só não faz.
Fonte de cura. Eu venho depois disso. Bem depois.
Me deixa ser assim. Vai me fazer mal? Vai dar certo? Estou me superestimando?
Eu estou pagando pra ver.
Não vem de você, nenhuma cobrança, nenhuma pressão.
Pelo contrário, vem só compreensão e orientação.
Mas, por alguma razão (a beleza que eu vi em ti?), eu nunca quis acertar tanto.
A vida é curta para que eu permita aos erros repetirem-se.
Transmutei o desconforto e a culpa em autodeterminação.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Já faz um tempinho que não escrevo 
E não é por falta de inspiração. 

Já quis falar sobre o mar 
E sobre a sensação que aquela música do Philip Glass me causou 
De como tudo passa, muda, mas algo sempre fica, persiste. 

Já quis falar sobre a noite estrelada do van Gogh  
Que vimos viva n’água do trapiche à beira-mar 
Os seus morros-sombra e o pacífico socó noturno. 

Já quis falar de tanta coisa linda 
E uma vez ou outra, de estados perturbados. 

Porém, há uma coisa que ultrapassa tudo 
Tudo o que deixei de escrever não chega aos pés disso 
Que persiste aqui dentro e que não vou deixar passar 
E esse tempo apenas confirmou sua posição superior.

É um lugar 
Ali... 

Entre os olhos e o nariz dela
É o riso dela ali, nesses dois espaços.

Esqueçam as obras de pintores e compositores 
Jamais me farão sentir o que eu sinto quando eu vejo esse riso dela
Que resolve tudo 
Que faz eu perceber que o mundo, naquele momento 
Está mais do que suficientemente azul, leve e florido.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Azul-sim

Entregamo-nos
Ao ondulante e fresco abraço do Peri
E o coração meu
Que ondulava igual, porém mais quente
Disse "agora" e eu disse "ei...
Quer ser minha namorada?"
E o coração teu disse, com sorriso, "sim".

E eu, que algumas vezes já beijei teu rosto
Agora achei teu beijo
E o beijo éramos nós, de fato
Dançando um poema resumido em toque.

Nadamos até o beijo
Flutuamos em abraços
Mergulharemos? Sim!
Amar é viver ciclo chuva, água doce e mar.

Depois, eu te orbitava como a lua à Terra
E ondulava entre nossas almas-ilhas
O que, leve, nos lavava: amor-água
E o céu cantarolava azul-sim.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Calma

Me desculpe
Se eu perdi a calma com a situação
Me desculpe se eu deixei que o sentimento
Endurecesse as minhas palavras 
É que eu não tenho mesmo muita paciência 
Com poderes ilusórios
E se eles não são vistos como tais
É que fica mais difícil
E se eles te impedem de pousar e descansar 
Se eles te seguram onde não mais quer
E se eles tentam, sem sucesso, apagar tua chama
Vendar teus olhos, te isolar e calar teu coração 
É que eu largo toda a calma e, se me deixa
Num pulo eu chego e, se preciso, chuto a porta 
Embarque e deixe ao vento a ilusão, querida
Que é assim que elas morrem
Segura essa minha mão que abri pra ti 
Que a outra está fechada
Não sou violento, apenas precavido
Fique atrás de mim
Desça e espere, que eu já vou.

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Me deixa

Menina...
De pé na praia
Poxa, eu te mereço?
Já sei o que vai dizer
“Não sou tão boa quanto acha”.
Me deixa então ser esse louco
Apaixonado, exagerado, otimista
Me deixa ver você como nunca ninguém viu
Nem você mesma
Me deixa me afogar nos teus problemas 
Nas tuas mágoas, raivas e fraquezas
Me deixa deitar sobre os teus espinhos
Me deixa me afogar nos teus cabelos
Nas tuas pernas, braços, no teu peito
Me deixa e vem deitar sobre o meu tronco
Eu te quero assim, inteira como a mata
Onde me perco de propósito, me entrego
Piso sobre as grimpas e me arranho
Deixo a terra grudar no suor
E os mosquitos se esbaldarem
Me deixa sentir que você é real assim
Porque você me faz forte
Então, aproveite e se entregue, salte
Nos meus braços
Selvagem
Inteira
Eu quero trilhar tua mata seminu e de pés no chão
Eu quero sentir tudo sem nenhuma seleção
E te dar tudo que você merece.

Feliz por você

Feliz por você, veranista!
Que vem à praia uma vez ao ano
E hoje acordou com céu azul, ar quente e um vento fresco.
 
A cidade está de braços abertos, os banheiros estão instalados
As cervejas estão frescas, as torneiras estão brilhando
Os músicos estão ensaiados e as mesas estão postas.
 
Venham! Curtam, com seus amigos, crianças e amadas
Eu sei como é a sensação
Feliz por você!
 
Feliz por vocês, meus bichos
Que descansam bem saudáveis e tranquilos.
 
Feliz por você, corruíra
Que encontrou no mato que arranquei
Em meio à terra solta, alimento.
 
Feliz por você que está sofrendo
Porque sei que essa dor é a porta estreita
Para a nova estrada à frente e para, finalmente
Conhecer a vida baseada em amizade e amor.
 
Feliz por você, menino
Que já era amado e será, agora, ainda mais.
 
E feliz por você, meu bem
Que já tinha amor em ti, lá dentro, pela vida
E agora abriu a porta e alçou voo
Encontrou um outro amor voando e dançarão
Voarão por esse mundo afora e bem aqui.
 
Feliz por vocês todos
Eu não preciso de mais nada
Tenho no bem de vocês o meu maior presente.
 
Enquanto os enxergar assim, estarei bem.
Enquanto estiver bem – mesmo se doente ou sozinho
Enxergarei vocês assim.
 
E se você, meu bem, não estiver assim, um dia
És a pessoa que escolhi para me dedicar a olhar tão bem
Mas tão bem, que mesmo em tua tristeza enxergarei caminho
Estenderei minha mão e te conduzirei, novamente, para o sol e o mar.
 
Porque desde que te conheci, meu céu, vestindo a noite e uma estrela
Eu me sinto mais sol e mar do que nunca
Você me fez verão, e eu te abraçarei em todas estações da tua vida.

sábado, 28 de dezembro de 2024

O colo

Bom dia, Dona Araucária! Venho aqui, nessa manhã, lhe agradecer pelo acolhimento que me deste ontem à noite.

Quando eu fui sem rumo no escuro, sem nada nas mãos e nos bolsos, com os pés molhados do orvalho e a cabeça mal orientada, a senhora apareceu bem diante de mim e me deu a sombra que eu buscava contra a luz elétrica que desrespeitava a noite.

Mansamente, senti que podia recostar-me no seu corpo. Quando, então, a senhora convidou-me a sentar e, finalmente, a deitar-me no seu colo.

Envolvido assim, pelas altas ciperáceas e capins, sobre os calombos macios da terra forrada pelas ervas, sob as mil estrelas que formavam brincos flutuantes em meio à tua copa majestosa, encontrei minha plenitude.

Ali e daquele modo, desejei viver. Eu dormiria exatamente como estava e, na madrugada, acordaria e saberia, pela posição das estrelas, quanto tempo havia passado e quanto ainda faltava para a alvorada. Voltaria aos sonhos até ser despertado por mil pássaros.

Ali e daquele modo, enxerguei: não preciso de mais nada. Tenho o chão, um coração tranquilo e um corpo que funciona para conseguir alimento. Mais nada.

Mergulhei meu rosto no chão, senti o aroma fresco e bruto da tua terra viva que toquei. Dancei minhas mãos sobre as ervas, com carícias úmidas sobre as linhas delicadas das suas fibras.

Não queria ir embora. Resisti. Me deitei de lado, quase adormeci. Eu não poderia sair assim, simplesmente levantar-me e ir. Então, sentei-me e, com quarenta expirações e inspirações, me despedi.

Agora, olhe em minhas mãos: essas duas pedras representam dois lindos seres a quem quero apresentá-la. Vamos nós - a senhora, o chão e o céu - relembrá-los do quão pouco eles precisam.

E é precisamente por não precisar de quase nada que quase tudo é especial: porque escolhemos. Quero viver ao lado deles assim, por escolha, não por necessidade, e os relembrando do mesmo, que não precisamos de quase mais nada além de chão, alimento e amor.

Permita-me, então, encostar agora as pedras do compromisso com meu coração no seu corpo e no seu chão para trazer tua sabedoria ao meu peito. 

E que eu possa levá-la aqui dentro para enquanto longe, dizer: "o colo da araucária é onde está meu corpo". Obrigado. Voltarei.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O ar toca a água e vira água 
A ave caminha
O gato se afasta
A árvore fica
Na manhã lenta, branca e fria.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Gosto de não fazer nada
para poder pensar muito.

E gosto de pensar muito
para poder não pensar nada.

E gosto de não pensar nada
para poder contemplar muito.

Mas para poder não fazer nada
é preciso, primeiro, fazer muito.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

A rosa

Ninguém é de ninguém.

Mas você deveria pertencer ao lugar mais elevado de jardins feitos em colinas sobre as nuvens de uma terra distante onde habitariam deuses jardineiros que lhe venerariam como a última flor da espécie. E eles não lhe tocariam nem lhe olhariam diretamente durante o dia para não cegarem, tão forte é a luz do mundo todo que é capaz de refletir em suas pétalas e tão profunda é a lança dos seus olhos se adentrasse os olhos deles que, então, perfurados fatalmente, perderiam sua deidade e se converteriam em mortais, camponeses condenados a sofrerem de desejos, desejosos de morrerem para não sentirem mais paixão tão grande e avassaladora pela rosa inalcançável, intocável e inalienável do jardim que, na verdade, então veriam: nunca havia sido deles.

Mas, sabendo olhá-la bem, do jeito certo - à noite ou, se de dia, pela margem da visão - poderiam sentar-se numa pedra e contemplá-la. Quando assim - serenos, respeitosos e sem avidez - você lhes presentearia com o aroma das palavras gestadas no cosmo do seu coração. E seria dessa forma que eles, deuses secretamente instruídos, poderiam transmitir toda a graça e a sabedoria - filhas da beleza de uma rosa - para a humanidade.

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Minha fé

Existe o bem
e existe o engano.

Existe o belo e a cegueira.
Existe o amor e a delusão.

Existe o bom demais pra ser mentira 
e o ruim demais pra ser verdade.

Ao sábio "... se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim", de Sabino, acrescento: ou porque você não viu que já está certo.

Felicidade é aceitação 
que vem depois de uma visão correta.

Se algo lhe parece mal, errado ou feio
olhe de novo e de novo e de novo
De outro ângulo, mais de perto
Mais de longe. Mova-se! Pare.

O belo é a aparência do bem, da verdade.
Perseguindo o belo, se alcança o bem.
E o bem é o particular conforme a talidade.

Praticar o bem é, portanto, agir em harmonia
com as coisas como são de fato - uma.
Eterno é o todo, e tudo dentro é passageiro.

E, finalmente: amar alguém é o sentimento decidido e a prática do esforço para o mais constante e primaz assassinato de uma delusão - a de si próprio - com o intento último de lhe fazer o bem.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

De azul, eu sou apenas olhos 
Duas pequenas íris 
Tuas discípulas-guardiãs.

Mas, você 
Você, meu bem
Você é todo o céu
Que dá vida ao arco-íris!